“Quando lavamos um cadáver, estamos lavando a nós mesmos.”
— Sinan Antoon, The Corpse Washer.
Imagine-se diante de um rio silencioso, a água escorrendo entre os dedos como se fosse um convite à purificação. Ao lavar o corpo de alguém, o lavador não apenas limpa a carne que já partiu, mas também descasca as camadas de medo, culpa e resistência que carregamos dentro de nós. É como se cada gota que desliza sobre a pele morta refletisse, ao mesmo tempo, as sombras que habitam nosso próprio coração. Na rotina corrida, muitas vezes nos esquecemos de que nossos “mortos” internos – hábitos que nos aprisionam, mágoas não resolvidas, sonhos que deixamos morrer – precisam ser lavados com a mesma delicadeza. Não é preciso esperar uma tragédia para iniciar esse ritual; basta abrir a mão, sentir a água fria e deixar que ela leve embora o que já não serve. Assim como o corpo devolve ao solo a essência que lhe pertence, nós devolvemos ao mundo a nossa melhor versão, livre das impurezas que nos impedem de respirar plenamente. Cada manhã pode ser um pequeno “lavado”: respire fundo, reconheça o peso que carrega, e, com a coragem de quem encara a própria mortalidade, enxágue-o. Transforme o ato de limpar o exterior em um convite ao renascimento interior. Quando o fizer, perceberá que a vida não é um fardo, mas um fluxo constante de oportunidades para se reinventar.
Sobre o autor
Sinan Antoon (nascido em 1967, Bagdá) é escritor, poeta e tradutor iraquiano que vive nos Estados Unidos. Formado em literatura comparada, Antoon ganhou destaque com romances como The Corpse Washer e The Baghdad Clock, que mesclam memória histórica e drama humano. Sua obra explora a devastação da guerra, a resistência cultural e a busca por identidade, sempre com uma linguagem poética que toca o coração dos leitores ao redor do mundo.
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